Um português na História do Amazonas.

Eles vieram do além-mar. De muito longe, deixando suas aldeias, freguesias, quintas, minifúndios e suas querências ao longo de toda a Portugal. Todos na sua maioria de pequenas cidades do norte, de onde se originava a maioria desses homens e mulheres que vieram estabelecer-se em Manaus e Belém. Alguns desses nomes muito familiares em nossa região, pois foram adotados por ocasião de fundação de vilas e cidades da região amazônica.

Esses imigrantes, quase todos jovens e pobres, eram filhos de agricultores e sitiantes, de numerosa família patriarcal, com rígida educação doméstica e obediente à tradição, valores familiares e principalmente devotos de N. S. de Fátima.

Portugal não tinha mais, ao findar do século dezenove, muito futuro. Sobretudo a região norte, terra de muitos minifúndios, pertencentes a proprietários de famílias numerosas, sem terem como encaminhar seus filhos para a lavoura, uma vez que as parcelas de terras, com a subdivisão de herança se tornaria tão pequena que eram incapazes de sustentar uma família.

Assim, a fina flor de sua juventude migrava para essas regiões do Brasil, em busca de fortuna e de um futuro de dias melhores. Mais tarde, esses parentes e amigos tornavam-se sócios e parceiros no empreendimento em que trabalhavam. E dessa forma começava a sua ascensão social. Na região Amazônica, em especial Manaus e Belém, além desses estabelecimentos varejistas, como os portugueses dominavam as casas aviadoras e o comércio do látex e gêneros regionais, muitos deles vinham diretamente para aprender seu ofício como caixeiros, balconistas, viajantes e propostas dos patrões como gerente de confiança, aos quais eram entregues grandes responsabilidades comerciais.

Entre tantos portugueses que em Manaus deram uma importante contribuição na nossa economia está o Comendador José Cláudio de Mesquita. Nasceu em Setubal, Portugal no dia 7 de outubro de 1858, aonde viveu sua infância e uma parte da juventude.

Em 1883 viajou para Manaus com a incumbência de fundar uma filial da Casa J. H. Andresen, um importante estabelecimento comercial da cidade do Porto desde 1845.

Como cita o professor Agnello Bittencourt:

“De fato em 1885, estava fundado na capital da Província do Amazonas, o estabelecimento denominado Armazéns Andresen, cujos principais negócios era a venda de vinho, ferragem e a compra da borracha. Sua prosperidade foi notável sob o dinamismo e a sagacidade ou a visão mercantil do seu fundador e gerente, despertando a absoluta confiança e apoio. A Casa Matriz era proprietária de várias embarcações, das quais duas viajavam entre Lisboa e Manaus e denominavam-se Dona Maria e Dona Amélia. Além desses barcos havia o possante rebocador Jane que viajava para o interior do estado principalmente no Rio Solimões.” ¹ Pág. 163

Armazéns Andresen na rua Theodoreto Souto, em frente à praça Tenreiro Aranha, 1910. Foto: Valdenor de Souza/Acervo pessoal de Abrahim Baze

Relata o professor Samuel Benchimol em sua obra: Manaós – Do Amazonas-Memória Empresarial.

“José Cláudio de Mesquita deve ter emigrado numa dessas levas de patrícios por volta de 1883. Contava na época o Dr. Emílio Vaz de oliveira, decano dos diretores da Associação Comercial do Amazonas. José Cláudio de Mesquita chegou a Manaus muito jovem, trazido pelo patrício João Andresen, grande comerciante português, de origem dinamarquesa. Os Irmãos Andresen – Alberto, Guilherme e João- com grandes armazéns no Porto e Vila Nova de Gaia, onde comerciavam vinho do Porto para a Inglaterra e Europa, tendo estabelecido em Manaus uma filial e sucursal Sociedade Anônima Armazéns Andresen (a primeira S/A existente em Manaus), tendo como diretor João Andresen e como gerente Joaquim Rodrigues da Silva Dias.” ² Pág.46

José Cláudio de Mesquita começou sua vida comercial como empregado dos Armazéns Andresen ou da firma Araújo e Rosas (antecessores de J. G. Araújo), pois sempre foi amigo do Comendador J. G. Araújo, de quem havia sido sócio na firma Mesquita e Araújo. O aprendizado foi rápido. Era um homem inteligente, sabendo bem ler, escrever e dominava a matemática foi trabalhador do escritório ou auxiliar de guarda-livros dessas organizações. “Possivelmente se aventurou, como era comum na época, como caixeiro viajante dos Andresen e de J. G. Araújo, na visita aos fregueses e seringalistas-aviados do interior, compra de borracha, fazer acertos das reclamações e tomar os pedidos de mercadorias”.

Dessa forma, cresceu na experiência do que muito lhe valeu, anos mais tarde, tendo amealhado seus primeiros contos de réis para montar o seu próprio negócio, passando a intermediar a compra e vende de gêneros regionais.

Mais tarde consegui compra um prédio na Praça Tamandaré, bem próximo dos Armazéns Andresen, no prolongamento da Guilherme Moreira, de onde passou a administrar o seu próprio negócio de comissões e consignações de látex e produtos extrativos. “Ainda segundo o professor Samuel Benchimol, o seu negócio prosperou tanto que, do vigésimo quarto lugar como recebedor de látex em 1909, com 225.203 quilos-chegou ao sétimo lugar, em 1910, com 535.027 quilos e ao terceiro lugar em 1916, quando foi consignado 814.219 quilos.” ³ Pág.46

Comendador José Cláudio Mesquita (à esquerda). José Cláudio Mesquita e Alberto Andresen. Findanza no Pará, 1885 (à direita). Fotos: Arquivo da família/Acervo pessoal de Abrahim Baze

Casamento de José Cláudio Mesquita e Alcaciba de Mesquita e Silva (à esquerda). Casamento de José Cláudio Mesquita, cidade do Porto em Portugal (à direita). Foto: Arquivo da família/Acervo pessoal de Abrahim Baze

Nesses dez anos de intensa atividade comercial, a firma Mesquita e Cia, de propriedade de José Cláudio de Mesquita, conseguiu formar grande lastro de capital, com média anual de vendas de 6,8 milhões de libras esterlinas, sendo que no auge de 1910 chegou a faturar 17,9 milhões de libras esterlinas. Sem dúvida foram anos difíceis, de muito trabalho para alcançar essa posição, como ocorria com a maioria dos seus patrícios e outros imigrantes daquela época. No dia 15 de junho de 1916, fundou a Câmara Portuguesa de Comércio e Indústria de Manaus, sob a Presidência de J. G. de Araújo, Vice-Presidência de José Cláudio de Mesquita e Secretariado por Antonio Danilo Mattos Oreosa. Esta Instituição tinha por objetivo estreitar as relações comerciais luso-brasileira, desenvolver o intercâmbio entre dois países e promover a exportação dos produtos comerciais.

José Cláudio de Mesquita inventou a (faca amazônica), que ele foi aperfeiçoando a ponto de fabricantes ingleses passarem a adotar seu modelo para produzi-la em série e exportar para os seringais amazônicos e asiáticos. A introdução desse novo tipo de faca veio salvar as seringueiras de destruição causada pelos golpes da machadinha, responsáveis pela destruição de muitos seringais. A (faca amazônica), sem dúvida foi o maior avanço em termos de desenvolvimento sustentado da economia gomífera, pois permitiu, com esse novo instrumento e com o novo corte, aumentar a produtividade das árvores sem danificar o seu lenho e seu caule, que a partir de então eram rapidamente cicatrizados, em substituição á antigas práticas destrutivas e predatórias.

José Cláudio de Mesquita presidiu a Associação Comercial do Estado do Amazonas no ano de 1899, em companhia de outros nomes importantes da vida comercial da cidade de Manaus, tais como: Bertino de Miranda Lima – 1º secretário, Alfredo Moura Alves – 2º secretário, José Rodrigues Cardoso – Tesoureiro e os diretores Nicolau Witt e Antônio Joaquim da Rocha.

Projeto da ‘faca amazônica’ de propriedade de José Cláudio Mesquita. Foto: Arquivo da família/Acervo pessoal de Abrahim Baze

Amparo aos flagelados do Nordeste

Ainda na revista da Associação Comercial se destaca a solicitação para cooperar na prestação de assistência as populações nordestinas, castigadas pelo flagelo das secas, a diretoria da Associação Comercial do Amazonas, no exercício do ano 1900, se fez presente com dever o humanitário, prestando sua ajuda financeira a esses irmãos nordestinos, como destaca a Revista do Centenário dessa Instituição.

“Excelentíssimo senhor presidente e demais membros da Associação Comercial do Ceará. Em resposta ao vosso atencioso ofício de 10 de setembro último em foi solicitado para abrirmos subscrições em favor das vítimas da seca nesse Estado. Comunico-vos que nesta data remetemos a essa corporação por intermédio do Banco Comercial do Ceará, a quantia de 1:000 $ 000, angariada entre os membros desta diretoria. Lamentando não podermos anuir ao vosso pedido de promover e angariar por meios de subscrições, como era de nosso maior desejo, quantia mais avultada, visto já ter o comércio desta capital contribuído para tal fim. Apresentamos a vossa senhoria os protestos de nossa estima e consideração. Saúde e fraternidade. J. C. Mesquita – Presidente, J. J. R. Martins – 1º Secretário, Luís Eduardo Rodrigues – 2º Secretário.” 4 Pág. 55

Aspecto tomado durante aula de sangria da seringueira ministrada pelo técnico norte-americano Harold Gustun. Seringal Miry, 1943. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Nomes que se projetaram

“Ainda na revista da Associação Comercial na década de 1891 a 1900 faz-se mister colocar em destaque, dentre outros já referidos anteriormente, dois nomes que se projetaram no cenário econômico local como figuras merecedoras da gratidão e do respeito de seus coevos, por sua incansável e esclarecida dedicação ao Amazonas, visando a solução dos problemas que mais profundamente afetavam ou viriam a comprometer a estabilidade de sua economia. São eles: José Cláudio de Mesquita, o Apóstolo da Heveicultura e Bertino de Miranda, que se exornariam de amplos conhecimentos, como economista, historiador e jornalista. Seus retratos se incluem neste documentário, como indispensável homenagem.”5 Pág. 56

Primeiro Campo Experimental para a Cultura da Seringueira

“Não se pode acusar a Associação Comercial do Amazonas de inércia ou alheamento, face ao avanço da produção asiática de borracha, resultante do desenvolvimento da plantação das seringueiras nos territórios coloniais de Ceylão (onde foi feita a primeira experiência de adaptação) Malásia, Java, Cingapura, Indo – China e outros.

Impulsionada pelo esclarecido idealismo de José Cláudio de Mesquita, iniciou seus próprios ensaios, fazendo plantar entre terreno situado o atual Boulevar Amazonas e a rua José Cláudio de Mesquita onde corriam outrora os trilhos dos bondes elétricos da antiga Manaus Tramways and Light Ltd., a plantação de mais de uma centena de seringueiras, cujos remanescentes ainda hoje enfeitam referido local. Era o exemplo em termos concretos, apontando o caminho a seguir por todos quantos, nos escalões da administração pública e no seio da iniciativa privada, deviam preservar nossa posição de grandes produtores de borracha, iniciando a heveicultura com recursos naturais e a força do trabalho de que poderíamos dispor para esse fim.

As advertências dos entendidos e a documentação prática da viabilidade da formação de seringais de cultura não foram ouvidas, acabando por gerar a catástrofe, que arruinou a Amazônia.

Ao mesmo tempo em que se iniciava a primeira plantação de seringueira, era instituído igualmente por sugestão do Comendador José Cláudio de Mesquita, “dia da seringueira”, a ser festejado juntamente com “dia da árvore”, a 24 de junho de cada ano.” 6 Pág. 79

Foto: Reprodução/Acervo pessoal

Projeto Experimental Seringal Miry

José Cláudio de Mesquita não se limitou, no entanto, a escrever e apoiar importantes memórias e relatórios sobre a crise e as soluções para sair dela, ele partiu logo para o exemplo e a ação. Plantou, em 1911, em um terreno de sua propriedade, no Boulevard Amazonas, hoje esquina da Avenida Djalma Batista, o Seringal Miry, cujo objetivo era apresentar um projeto-piloto de plantação e campo de estudo, onde pudesse fazer experiências de sua (faca amazônica) e o estudo de novos cortes de sangria e coleta de látex. Nesse local, plantou noventa e três seringueiras em fileiras, numerando-as para observar o seu crescimento e comportamento perante as doenças e pragas, e depois quando crescidas para verificar o seu rendimento e produtividade.

Este seringal experimento, foi criado e financiado pelo próprio José Cláudio de Mesquita, tinha o objetivo de treinar a mão de obra no local e servir de exemplo para outros seringalistas grandes e pequenos. Neste local ele teve oportunidade de analisar o crescimento das árvores e sustentar a viabilidade desse empreendimento, pois em terras não apropriadas em ambiente urbano, as seringueiras tiveram bom desempenho sob a supervisão técnica do Dr. Angelino Bevilacqua. Ele não se limitou a ver, ainda em vida, o resultado do seu esforço com a introdução em larga escala a (faca amazônica), do corte, sangria e da plantação experimental Seringal Miry.

O Seringal Miry foi uma escola de campo experimental fundado pelo intelectual comendador José Cláudio Mesquita em 1914. Com a morte de Mesquita em 1923, o seringal passou a ser administrado pela Associação Comercial do Amazonas. Foto: Thomas D. MCavoy/Acervo pessoal de Abrahim Baze 

O seu objetivo era mais audacioso, pois desejava ver a heveicultura implantada em nosso Estado. Para tanto, criou o “Clube da Seringueira” que, conforme carta circular que foi divulgada em 30 de maio de 1916 tinha o objetivo de reunir produtores e industriais do látex. Através desse “Clube da Seringueira”, no dia 17 de junho de 1914, em plena crise do látex, ele comemorou, solenemente, pela primeira vez em Manaus, o “Dia Da Borracha”, com direito a discursos oficiais do Governador da época, Jonathas Pedrosa, do Superintendente Municipal Jorge de Morais e do Presidente da Associação Comercial, Raphael Benoliel, cujo discurso de profissão de fé e esperança no futuro do Amazonas através da Seringueira.

Na sessão da Associação Comercial do Amazonas, realizada no dia 6 de novembro de 1923, foi prestada uma significativa homenagem póstuma a uma das mais destacadas figuras do cenário empresarial amazonense da época que durante muito tempo exerceu cargos diretivos.

“A diretoria da Associação Comercial do Amazonas, profundamente penalizada pelo passamento do saudoso companheiro e amigo que foi José Cláudio de Mesquita lançam voto de pesar nesta ata, em homenagem a sua memória e paz a sua alma.”7 Pág. 98

Bento Carqueja professor e jornalista proprietário do Jornal “O Comércio do Porto”, procurou instituir uma reputação jornalística de isenção e de credibilidade introduzindo profundas mudanças. Pela primeira vez, usou correspondentes de grandes vultos da cultura nacional à época, criou bibliotecas e instituiu o jornal “O Lavrador” em 1903, folha mensal gratuita dedicada aos agricultores patrocinada a época por José Cláudio de Mesquita, que por sua vez se envolveu e patrocinou a Fundação de Escolas Agrícolas Móveis. José Cláudio de Mesquita embora vivendo no Amazonas preocupava-se com o desenvolvimento de sua terra.

Referências

BITTENCOURT, Agnello. Dicionário Amazonense de Biografias – Vultos do Passado. Rio de Janeiro. Editora Conquista 1973. ¹ Pág. 163

BENCHIMOL, Samuel. Manaós-do-Amazonas: Memória Empresarial. Manaus, 1994. Edição do Governo do Amazonas. ² ³ Pág. 46

REVISTA – Primeiro Centenário da Associação Comercial do Amazonas – 18 de Junho de 1971. Editora Umberto Calderaro Ltda. Manaus, 1971 – 4, 5,6 e 7.

*Valiosas informações cedidas por Selma Vasquez de Mesquita Silva (Bisneta do Comendador José Cláudio de Mesquita).

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