Sempre ouvi dizer, desde quando menino pequeno, uma expressão popular que parece adequada para o início do ano de 2025: “ano novo, vida nova”. Fiel a isso, mas sem perder a determinação em valorizar os manuscritos que possuo, resolvi publicar um artigo que escrevi em 2010, quebrando a tradição de tratar da história de Manaus ou do Amazonas.
Escrevi, na ocasião: enquanto lia na varanda, saboreando a brisa do fim da tarde, a noite caiu. Desceu a cortina sombria e não percebi. Agora, olhando por sobre a cidade, do alto do meu recanto de viver, só vejo luzes em pontos que marcam o desenho urbano da cidade. É grande a cidade! Esparramada para todos os lados, não me permite definir a forma com a qual se apresenta e vai se modificando.
Vejo Manaus iluminada e paro de ler. Contemplo o horizonte mais próximo e não defino os lugares. Prédios, torres, manchas escuras, luzes mais fracas e pontos mais fortemente iluminados que encandeiam. Passo os olhos lentamente procurando decifrar a cidade onde nasci, moro e que pensava conhecer, palmo a palmo, até nas suas entranhas.
O mistério maior está em reconhecer os pontos de referência. Na rua, o trânsito é barulhento e poeirento e impõe outros pontos de luz com faróis brancos e lanternas vermelhas. Não para um segundo sequer, e não estão construindo nada, imagina se fossem formigas iluminadas que estivessem preparando a casa para o inverno? Diante de mim há algumas árvores matizando de escuro e verde o olhar que procura cobrir a imensidão da cidade e, até onde a vista alcança vou me perdendo e passo a imaginar as várias cidades que se acham acobertadas pela noite que chegou em silêncio.
Agora, há de haver os que fazem preces, os que estudam, os que trabalham, os que nos emprestam a vida, os que sofrem, os que cantam, os que padecem de fome pela falta de alimento, da palavra, do consolo, do afeto, da amizade, da solidariedade, da caridade. Há os que estão em festa e os que choram de saudade e dor eterna. Em qualquer lugar é assim. Não é surpresa ou novidade que assim também se dê com Manaus. O que difere de algumas outras, é que ela tem sido muito maltratada, está sofrida, reclama cuidados especiais e não encontra remédio. Os que a amam de verdade cansaram da luta ou não conseguem fazer o que precisa ser feito para que ela conserve a beleza que lhe restou do passado distante e a que ganhou anos depois. Não conseguem manter vivo o espírito dos antepassados que a transformaram em capital da floresta tropical. Nem todos que a habitam sabem seu nome de batismo; nem todos cantam seus versos; a maioria não conhece suas lendas, suas estórias, suas esquinas, suas lembranças. O que têm não é amor por Manaus e, por isso, as mazelas aumentam.
Vejo a luz da cidade como poderia ser ver em outra em qualquer lugar do mundo. Apenas a brisa morna que chega renova a minha certeza de que é a Manaus, onde nasci e irão guardar meu corpo inerte no silêncio da hora santa da ultrapassagem.
Olho a cidade e fico pensando por que fizeram dela esse mundo indecifrável.
Revejo o pequeno jardim da minha varanda com flores cuidadas por minha Rosa muito amada e recobro o sentido do belo que não consigo ver na noite escura pontilhada de focos de luz e em distantes pontos. Fico sentado no mesmo lugar sentindo a brisa tocar meu corpo e respiro lentamente acreditando que é possível mudar o que se deu com Manaus. Se não for possível, sei que terei as flores da minha varanda para ver e pensar na beleza, mas, mesmo assim, inaugurando o ano desejo cuidado e zelo para Manaus, que ela se torne verde e florida.
Por: Robério Braga
Membro da Academia Amazonense de Letras (AAL), advogado e ex-secretário de Cultura do Amazonas
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