Ao escrever o livro ‘A Selva’, Ferreira de Castro denunciou situações tremendamente injustas, como era o caso dos milhões de seringueiros que a extração da borracha davam o melhor do seu sangue, suor e liberdade.

Ferreira de Castro. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Era uma vez…

Em Ossela, numa encantadora aldeia do concelho de Oliveira de Azeméis, Beira Litoral não muito longe do S. João da Madeira e Porto, em Portugal, nasceu a 24 de maio de 1898, um menino que recebeu na pia baptismal, o nome de José Maria de Ferreira de Castro, destinado pelos deuses ou fadas, a descrever uma trajetória luminosa nos horizontes infinitos das letras portuguesas.

Aos 12 anos, órfão de pai e apenas com o diploma da 4ª classe, emigrou de Ossela rumo a Belém do Pará, munido de um dicionário e no coração a dor da partida e também sonhos lindos e dourados, ser talvez rico e angariar a substância de sua mãe, doente e de seus dois irmãos crianças.

Livro ‘Ferreira de Castro – Um imigrante português na Amazônia’, de Abrahim Baze. Foto: Clarissa Bacellar/Portal Amazônia

Chegando a Belém do Pará, empregou-se numa mercearia e após uma breve estada de uns dois meses, foi despedido. E assim, em março de 1911, ele rumou para o Seringal Paraíso, no Amazonas, nas margens escalavradas do rio Madeira, na companhia de cearenses, maranhenses, marginais, aventureiros, que à selva iam em busca de sorte e fortuna.

Criança sentindo a dor da saudade da família, dos amigos, dos campos e do solo pátrio, para esquecer-se, ele escreveu, aos 13 anos, no Seringal Paraíso, o seu primeiro livro: ‘Criminoso por Ambição’, sob a sombra amiga da sapotilheira junto ao barracão do seringal.

Quatro longos e sofridos anos passou Ferreira de Castro no Seringal, de março de 1911 a 28 de outubro de 1914, quando se iniciava na Europa a 1ª Guerra Mundial, tendo regressado a Belém, onde passou privações e provações.

Em 1916, com a ajuda de um amigo, publicou o seu primeiro livro que foi vender aos amigos e compatriotas, em fascículos.

Indígena parintintim (fotografia de Silvino Santos). Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Regressou a Portugal em 1919, com apenas 400 mil réis no bolso.

Teima seguir a carreira de jornalismo em Lisboa, mas reconhece alguma animosidade por parte de alguns colegas. Então refugia-se nas comunidades primitivas da Serra do Barroso, em Minho, e na Casa do Capitão, em Padornelos, escreve as primeiras páginas do seu livro ‘Terra Fria’, e na Serra da Estrela vai em busca de dramas sociais e escreve o livro ‘A Lã e a Neve’, depois visita as Minas de Aljustrel (Alentejo) e escreve extensa e realista reportagem, censurada.

Enquanto enamora-se de Diana Liz, poetisa, que inspirou ao neófito escritor uma intensa paixão. Foi sob o olhar terno de Diana de Liz, na Rua Tenente Espanca, em Lisboa, a luz de petróleo, vivendo mil dificuldades, que FC escreveu, em 1929, imortal livro ‘A Selva’, que publicaria no Porto, em 1930.

Nesse mesmo ano de consagração, ele recebe um dos maiores golpes do destino: Diana Liz, que levara para Ossela, morre tuberculosa, a míngua de remédios e recursos financeiros. Profundamente abatido, o romancista refugia-se na ilha da Madeira, onde escreve o livro ‘Eternidade’, um hino de espiritualidade em homenagem a Diana Liz.

Proprietários do seringal Paraíso na época de Ferreira de Castro. Foto do dia do casamento de Sizino Deoclécio Monteiro, conhecido como Duca. Casou-se com Josefina Miranda Ferreira (Tinoca), filha de José Mariano Ferreira (Juca Tristão). Camilo Lélis Monteiro casou com Hilda de Miranda Ferreira (Ninita), também filha de Juca Tristão. Fonte: Irmã Conceição – Irlando Carlos Ferreira. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Mais tarde, em 1937 e após ter escrito outros livros, vem a conhecer a talentosa pintora de arte Elena Muriel, da Andaluzia, refugiada no Estoril da Guerra Civil espanhola, senhora de uma rara beleza física e moral e companheira dedicada do escritor por mais de 40 anos e com quem vem a casar-se, em Paris (França).

Com Elena Muriel dá a volta ao mundo e escreve no ensejo ‘A Volta ao Mundo’ e ‘As Maravilhas Artísticas do Mundo’ e, escreve mais livros: ‘Emigrantes’ (1929), ‘A Curva da Estrada’, ‘Pequenos Mundos e Grandes Civilizações’, ‘Tempestade’, ‘Missão’, ‘O Instituto Supremo’, ‘Os Fragmentos’ (póstumo), etc.

Em 1970 vê a sua obra ser distinguida com o Prêmio Águia de Ouro Internacional, em Nice (França), pela Academia Francesa, o que constituiu um dos maiores acontecimentos da vida literária portuguesa. Com o valor desse prêmio, constrói a Casa-Museu FC, em Ossela (sua terra natal).

Considerado o precursor do neorrealismo e o mais humanista escritor português, sua obra é um hino de louvor e reconhecimento a todo homem oprimido, solitário ou desprezado, a todo homem que trabalha servindo, muitas vezes explorado, humilhado ou ofendido.

Da leitura dos seus livros, que é dirigida a todos os homens que mandam para melhor compreenderem o drama do homem que trabalha, depreende-se, sempre uma fina ternura e empatia que tanto nos subjuga como fascina.

A Selva
Ao escrever o livro ‘A Selva’, FC denunciou situações tremendamente injustas, como era o caso dos milhões de seringueiros que a extração da borracha davam o melhor do seu sangue, suor e liberdade. Em todos os seus livros está patente a denúncia – apresentar os fatos são somente para o leitor ajuizar, sem jamais se socorrer da linguagem da violência ou do ódio. Aí o seu mérito e a sua missão. A denúncia sutil por amor à humanidade enferma. Daí o ter sido considerado o mais humanista escritor português e um dos mais universalistas, já traduzido em 25 línguas e em Braile.

Em 1980, no Parque Municipal de Ferreira de Castro, em São João da Madeira (Portugal), é inaugurado um monumento no ensejo do Cinquentenário de ‘A Selva’ (1980), um busto em Ossela e, mais tarde, outros bustos se ergueram em terras do Brasil – em Teresópolis (RJ), Belém (PA), Manaus e Humaitá (AM), mesmo defronte no Seringal Paraíso, palco central e geográfico da odisseia. Agora há outro no átrio principal da Universidade do Amazonas.

Em 1979, por iniciativa do pintor do Canto dos Verdes da Amazônia, o professor catedrático Moacir Andrade fundou a Associação Internacional dos Amigos de Ferreira de Castro (AIAFC), com o propósito de divulgar a Vida/Obra/Mensagem humanista de FC entre a juventude portuguesa e brasileira.

Em Ata subscrita pelo Embaixador Brasileiro em Portugal, General Carlos Alberto da Fontoura, estão a viúva do romancista, Elena Muriel; sua filha, Dr.ª Elza Muriel; o então Presidente da Assembleia da República, Vasco da Gama Fernandes; Tenente-Coronel Júlio Baptista Santos; presidente da Câmara Municipal de Sintra, Eurico de Andrade Alves (empossado como presidente); Moacir Andrade; Manuela Montenegro; Manuel de Portugal e outras individualidades.

Ferreira de Castro na maturidade. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

A AIAFC, na pessoa do seu presidente, realizou já quatro visitas de divulgação cultural ao Brasil, nomeadamente a Belém, Manaus, Brasília, Rio, Teresópolis, Salvador e Santos, a Humaitá e Seringal Paraíso, já visitado em 1986 e 1989, tendo escrito no ensejo o livro ‘Visita ao Seringal Paraíso’, além de palestras em Universidades, Centros Culturais e Escolas Técnicas e Televisão.

Levou longe o humanismo do escritor e, na zona mais ridente do Porto, na Foz do Douro, em 22 de outubro de 1988, erigiu um monumento ao romancista, de 6 metros de porte, três figuras distintas, mais de três toneladas de bronze, contemplando o Oceano e lá longe o Amazonas e o Seringal Paraíso.

Em 1989, no ensejo dos 10 anos da fundação, a AIAFC publicou o livro ’10 anos in memoriam de Ferreira de Castro’, livro muito documental e ilustrado com perto de cem fotos.

A AIAFC tem sua sede em São João da Madeira, conta com 400 associados de Portugal, Brasil, USA, Espanha, França, Polônia, Japão e Panamá, sendo 200 fundadores.

Ferreira de Castro morreu em 29 de junho de 1974, no alvorecer da Democracia em Portugal e, está sepultado, segundo seu desejo expresso em carta, sob um banco de pedra, em campa rasa, no Castelo dos Mouros, em Sintra, para estar mais perto dos homens, “meus irmãos das árvores, da lua e das estrelas que tanto amei…”.

Veja o filme produzido por Márcio Souza sobre ‘A Selva’:

Por Abrahim Baze