Homem de grande inteligência e estudioso vocacional,

Quintino Cunha desenvolveu a sua cultura nas letras jurídicas.

Encontro das Águas em Manaus, no Amazonas. Foto: Janailton Falcão/Amazonastur

Bem poucas pessoas, em Manaus, sabem a respeito da interessante figura humana e do talentoso poeta José Quintino da Cunha. Nascido em Uruburetama, no Ceará, a 24 de julho de 1875, tem-se como certo haver realizado seus estudos, inicialmente, na Escola Militar da qual se afastou. Deixando, assim, de seguir a carreira das armas, imigrou para o Amazonas no final do século passado, quando ainda vivíamos o esplendor do comércio da borracha, lá permanecendo por mais de um quinquênio, demoradamente nas terras banhadas pelo Solimões.

O poeta Quintino Cunha. Foto: Reprodução/Livro ‘Pelo Solimões/Acervo de Abrahim Baze

Homem de grande inteligência e estudioso vocacional, desenvolveu a sua cultura nas letras jurídicas. Em Manaus, uma provisão para advogar no Fórum das Comarcas do Solimões, no qual trabalhavam titulares eméritos. Tudo conseguiu, com os favores da lei.

Quintino Cunha não possuía uma formação acadêmica e um lastro de conhecimentos jurídicos sistematizados, capazes de enfrentar problemas de alta relevância, mas sobrava-lhe a acuidade com que se distinguem as mentalidades, começando por ser um orador de empolgantes recursos. O seu pequeno cabedal de jurisprudência, no tribunal e nos autos, valia-lhe na defesa das causas que patrocinava. A palavra falada, sobretudo, era a sua grande arma.

O poeta Quintino Cunha. Foto: Reprodução/Livro ‘Pelo Solimões/Acervo de Abrahim Baze

Várias vezes, em Manaus, ouvi o professor Agnello Bittencourt nos comícios cívicos arrancando aplausos das multidões. E não comparecia a uma dessas reuniões populares que não fosse imediatamente aclamado para subir a tribuna.

Poeta de inatas qualidades, escreveu um soberbo volume intitulado ‘Pelo Solimões’, que foi editado em Paris (França), pela Livraria Aillaud & Cia, no ano de 1977, tornando-se grande amigo de J. Aillaud. Fez-se também amigo de Faguet, a primeira cabeça da Academia Francesa, no seu entender. ‘Pelo Solimões’ é um escrínio de joias admiráveis.

O acadêmico Raymundo Magalhães Júnior, no seu livro ‘Antologia de Humorismo e Sátira’ (Ed. Civilização Brasileiro. Rio, 1957. Pág.: 185), escreveu a seu respeito: “Boêmio incorrigível, viveu sempre em meio das maiores dificuldades financeiras agravadas pelos encargos de sua família numerosa e sucessivos casamentos. Morreu quando beirava os oitenta anos: a 1 de junho de 1943”.

O acadêmico Raymundo Magalhães Júnior, no seu livro ‘Antologia de Humorismo e Sátira’ (Ed. Civilização Brasileiro. Rio, 1957. Pág.: 185), escreveu a seu respeito: “Boêmio incorrigível, viveu sempre em meio das maiores dificuldades financeiras agravadas pelos encargos de sua família numerosa e sucessivos casamentos. Morreu quando beirava os oitenta anos: a 1 de junho de 1943”.

Depois que deixou o Amazonas, formou-se em Direito pela Faculdade do Ceará, a 3 de dezembro de 1909, tendo exercido a advocacia em todo o Nordeste. Segundo Eli Behar em ‘Vultos do Brasil’ (pág.: 75), é a seguinte a sua biografia:

‘Os Diferentes’, (contos, de 1895);
‘Cabeleira’;
‘Baturité’ (de 1902);
‘Pelo Solimões’ (de 1907);
‘Campanha Prorabelo’;
‘Fortaleza’ (1912);
‘O Estilo na Jurisprudência’ (tese de concurso);
‘Venceremos’ (discursos, de 1930);
‘Os mártires das Selvas’ (romance amazonense);
‘A Vida no Ceará’, e muitos outros.
O grande humorista e poeta foi deputado pela Assembleia Legislativa do Ceará, em 1913, e pertenceu ao Centro Literário e a Academia Cearense de Letras.

Encontro das águas (Rios Negro e Solimões)

Vê bem, Maria, aqui se cruzam: este
É o rio Negro, aquele á o Solimões.
Vê bem como este contra aquele investe,
Como as saudades com as recordações.

Vê com se separam duas águas.
Que, se querem reunir, mas visualmente;
É um coração que quer reunir as mágoas
De um passado, às venturas de um presente.

É um simulador só, que as águas donas
Desta terra não seguem curso adverso,
Todas convergem para o Amazonas,
O real rei dos rios do Universo;

Para o velho Amazonas, Soberano
Que, no solo brasílio, tem o Paço;
Para o Amazonas, que nasceu humano,
Porque afinal é filho de um abraço!

Olha esta água, que é negra como tinta,
Posta nas mãos, é alva que faz gosto;
Dá por visto o nanquim com que se pinta,
Nos olhos, a paisagem de um desgosto.

Aquela outra parece amarelaça,
Muito, no entanto, é também limpa, engana;
É direito a virtude quando passa
Pela flexível virtude quando passa

Que profundeza extraordinária, imensa,
Que profundeza ais que desconforme!
Este navio é uma estrela, suspensa
Neste céu d’água, brutalmente enorme.

Se estes dois rios fôssemos, Maria,
Todas as vezes que nos encontramos,
Que Amazonas de amor não sairia
De mim, de ti, de nós que nos amamos!…

(do livro ‘Pelo Solimões’) …

Foto: Reprodução/Livro ‘Pelo Solimões/Acervo de Abrahim Baze

Foto: Reprodução/Livro ‘Pelo Solimões/Acervo de Abrahim Baze

Por: Abrahim Baze