A Sociedade Portuguesa, pela sua diretoria, sob a presidência do dinâmico Oliveira Braga, mantinha a chama acesa do espírito filantrópico para acorrer solícita em socorro de sua congênere em dificuldade.

A Santa Casa de Misericórdia, hospital fundado antes da Sociedade Portuguesa, sempre foi alvo do interesse e das boas relações desta Entidade que cogitou de um convênio com aquele nosocômio para assistência hospitalar aos seus associados. Tendo conhecimento de que o mencionado nosocômio estava a braços com séria crise financeira, esta Sociedade ficou bastante preocupada com o problema e tratou de participar da sua solução, conforme se verifica do teor da Ata de 31 de agosto de 1890:
“Foi resolvido em vista das dificuldades pecuniárias com que está lutando a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia para a sustentação do hospital do mesmo nome, promover esta diretoria uma subscrição a favor daquela instituição”

José Teixeira de Souza, fundador da Grande Benemérita Loja Simbólica Esperança e Porvir n. 1 e primeiro presidente da Real e Benemérita Sociedade Portuguesa do Amazonas. Foto: Abrahim Baze/Acervo Pessoal
Esta resolução foi modificada em sessão de 4 de setembro, pois, “O Sr.Presidente declarou que a resolução tomada na sessão anterior sobre a subscrição a favor da Santa Casa de Misericórdia não foi bem aceita pela opinião pública porque assim esta diretoria tirava o direito daquela irmandade de lançar mão deste meio a favor daquela instituição e por isso propõe para se tomar outra resolução.
Esta diretoria prorroga (ou derroga) a resolução anterior e convicta dos importantes serviços prestados por aquela instituição quer à humanidade em geral, quer ao grande número dos nossos compatriotas que têm encontrado naquele hospital alívio aos seus padecimentos e usando dos poderes que nos confere o Parágrafo único, do Art. 50 dos nossos estatutos, que até hoje ainda não foi cumprido, resolve desde já por à disposição do Provedor daquele estabelecimento a quantia de 1 conto de réis para ser aplicada às mais urgentes necessidades daquela instituição e oficiar-lhe neste sentido oferecendo-lhe os serviços que estejam ao alcance desta diretoria e pondo-lhe à disposição caso seja preciso os recursos que possui esta Sociedade”
Por este importantíssimo documento, que bem evidência o espírito altruístico e filantrópico desta agremiação lusa, pode-se concluir que havia excelentes relações de fraternidade entre as duas entidades assistenciais.

Foto: Acervo/Abrahim Braze
Conclui-se também mais uma vez, que a Sociedade Portuguesa Beneficente ainda não tinha feito funcionar o seu hospital diante da declaração inequívoca de que a Santa Casa de Misericórdia prestou “importantes serviços” “ao grande número dos nossos compatriotas que têm encontrado naquele hospital alívio aos seus padecimentos”.
O convênio cogitado em dia anterior, para concessão de seis a oito leitos pela Santa Casa, a fim de dar-se assistência aos sócios da entidade lusa, deve ter existido, convênio que pode ter sido estabelecido em caráter tácito, já que as Atas a ele não se referem explicitamente. O vivo interesse pela situação precária da Santa Casa de Misericórdia, assinala a íntima ligação entre as duas entidades, no que diz respeito à assistência hospitalar aos “compatriotas lusos”, que ainda não podiam dispor do nosocômio próprio, como sonhavam ardentemente, e por sua concretização lutavam os dirigentes da Sociedade Portuguesa. A 21 de dezembro do mesmo ano a Santa Casa de Misericórdia se manifesta em ofício de agradecimento pela “oferta que aquela Sociedade fez àquela pia instituição, conferindo-lhe de “Sócia Benfeitora” cujo diploma foi enviado por ofício de 30 de dezembro, distinção que foi agradecida, com desvanecimento. O espírito de cooperação e solidariedade que prevalecia entre duas entidades bem evidenciava o ideal comum que alimentavam: – o bem servir e dar alívio ao que sofre, sem distinção de grupos ou classes. A Sociedade Portuguesa, pela sua diretoria, sob a presidência do dinâmico OLIVEIRA BRAGA mantinha a chama acesa do espírito filantrópico para acorrer solícita em socorro de sua congênere em dificuldade”.
Pavilhão Central do Hospital

Embora sem funcionamento, a enfermaria já construída, a meta do hospital completo jamais se afastou da mira dos dirigentes da Sociedade, cujo dinâmico presidente, em sessão de 17 de fevereiro de 1891 “propôs para que a presente diretoria durante o seu mandato empregasse todos os esforços para se edificar o corpo central do edifício da Sociedade, em construção por ser de grande utilidade, tanto para o desenvolvimento da Sociedade, como pelos socorros que poderia prestar visto que com a edificação daquela parte já o hospital poderia funcionar; por isso, propondo para que desde já se tratasse (sic) de arranjar meios pecuniários por meio de quermesses e subscrições”
Esta manifestação, que foi integralmente transcrita como valioso documento, é mais um comprovante do não funcionamento do hospital até 1891, na praça Uruguaiana, estrada Epaminondas, ou praça General Osório, como eram conhecidas as circunjacências do atual Colégio D. Bosco e avenida Epaminondas e a praça General Osório.
Foi resolvido chamar-se por 15 dias “concorrentes para proceder-se à continuação das obras Central do hospital, ficando o Sr. tesoureiro autorizado de fazer as despesas conforme as contas que lhe forem apresentadas e visadas pelo Sr. Presidente”.
“Foram presentes (15/06/1891) as plantas e o orçamento para a edificação do corpo Central do hospital, para se mandar edificar por meio de concorrentes, conforme foi resolvido em sessão anterior”.
As Atas não revelam o nome do engenheiro que elaborou as plantas do corpo central do hospital. Há apenas referência ao desenhista, SANDO PEREIRA.
“O Sr. Presidente propôs para que se desse uma gratificação ao desenhista SANDO PEREIRA, pela confecção das plantas e orçamento para construção do corpo central do hospital e outros trabalhos que fez anteriormente. Foi resolvido que, em vista do Sr. SANDO PEREIRA não querer fazer preço aos seus trabalhos e atendendo-se a precária circunstância do mesmo Sr. resolveu-se dar-lhe a gratificação de duzentos mil réis”
Não se explica o silêncio em tomo do nome do engenheiro e com que autoridade um desenhista, gratificado com duzentos mil réis, faz o orçamento de tão alta responsabilidade e que exige indubitável habilitação técnica e profissional.
As obras, talvez por carência financeira, não foram logo atacadas, pois adiaram várias vezes a decisão da concorrência. As subscrições pelo rio Madeira, rio Negro, rio Purus, sempre eram feitas em favor do hospital, figurando em Atas o recolhimento dessas ofertas, algumas bem liberais pois alcançavam mais da vultuosa soma, para a época, de um conto de réis.
Proposta de arrependimento e compra pelo Governo
Enquanto os dirigentes lutavam pela construção do hospital completo e aparelhado, o governo observava o espaço ocioso das áreas construídas e para atender as suas necessidades prementes, sem meios também para construções imediatas.
Assim, em sessão de 20/9/1891.
“Foram lidos dois ofícios do Exmo. Sr. Presidente do Estado pedindo para arrendar ao governo a parte já construída do nosso hospital para ali instalar um asilo de alienados e outro propondo a compra para desapropriação de utilidade pública do terreno e benfeitorias, propriedade desta Sociedade, sito à praça General Osório. Resolveu-se oficiar a 1ª parte, pondo à disposição do governo o edifício pedido sem ônus algum para o governo até 31/7/1892, entregando-nos naquela data o edifício em iguais circunstâncias conforme a vistoria que se há de proceder; a 2ª parte, declarando que a diretoria não pode ainda dar resposta definitiva por ter de convocar a Assembléia Geral que foi convocada para o dia 7 do corrente ano para pedir a devida autorização”.
Temos neste importante documento o ponto de partida para a mudança da sede da Sociedade para a localização em que se encontra atualmente a rua 7 de Dezembro, depois estrada Corrêa de Miranda e hoje Avenida Joaquim Nabuco. Procuremos examinar como a Assembléia Geral encarou a requisição e a iniciativa de desapropriação do terreno fronteiro à praça General Osório.
A Assembléia Geral ocorreu às 9 horas da noite do dia 7 de outubro de 1981, na casa do Presidente BERNARDO ANTONIO D’OLIVEIRA BRAGA, com a presença de 30 associados.
Foi lido oficio propondo a compra amigável do terreno, edifício já construído, benfeitorias e material existente pertencente Sociedade, sito à praça de dental Osório, para desapropriação de utilidade pública e embelezamento da cidade. Foi lido e considerado com muito cuidado e com certa reserva por alguns dos 30 presentes. O presidente francamente favorável à negociação, usou de todos os recursos de persuasão para alcançar a autorização e chegou a demonstrar “a grande conveniência, quer pelo lado higiênico, quer pelo lado econômico que adviria a esta instituição aceitando a proposta do Exmo. Sr. Presidente do Estado. Leu um balancete que há de servir de base à negociação e declarou que a diretoria empregaria todos os seus esforços caso lhe seja concedida a devida autorização a bem dos interesses da Sociedade e em harmonia como governo do Estado e depois de liquidada esta transação a diretoria continuará imediatamente no terreno que for escolhido com as obras para a edificação do nosso hospital”.
Houve uma proposta condicional: que só se autorizasse a transação depois de o governo apresentar a sua proposição e condições para serem estudadas e discutidas em nova Assembléia. Esta proposta foi apresentada e definida pelos associados JOAQUIM ALVES DA CRUZ e EDUARDO PINTO RIBEIRO.
A proposta de “plena autorização à diretoria para negociar com o Exmo. Presidente do Estado a venda do terreno e benfeitorias de propriedade da Sociedade da melhor forma e a bem dos interesses da mesma”, apresentada pelo sócio BENJAMIN DA SILVA LUCAS, submetida a votos, foi aprovada por 23 (vinte e três) votos contra 7 (sete). Não houve portanto unanimidade, em decisão de tanta importância. Os sete dissidentes manifestaram pelo voto o seu desagrado pela alienação de um patrimônio construído em quase duas décadas de lutas.
A Ata de sete de outubro registra também mais um fato curioso de prorrogação de mandato em transação de tão alta importância jurídica:
“O Sr. Presidente declarou que, sendo marcado pelos Estatutos o dia 31 de outubro para a reunião da Assembléia Geram em que tem de servir, digo, de apresentado relatório do corrente ano e eleita a Diretoria tem de ultimar as negociações entabuladas como Exmo. Sr. Presidente do Estado”
Verificamos que a Diretoria com o seu mandato expirante aventurou-se a ‘entabular negociações” de tão alta monta, prorrogando o seu mandato até de maio de 1892.
No entanto, houve bom entendimento de ambas as partes sem qualquer percalço de nulidade.
“Não convoquei – justifica o Presidente em seu relatório – a Assembléia Ceral no prazo em que determinam os nossos Estatutos por motivos que todos vós sabeis, entretanto ainda diligenciei conseguir que o meu sucesso tomasse conta do timão da Sociedade livre de embaraços e se não pude chegar aos nossos desejos, a culpa não foi minha porém filha das circunstâncias”.
Por: Abrahim Baze