Pesquisando sobre W. Peters, para atender solicitação de um amigo, entre anotações antigas encontrei coisa bastante curiosa que não quero deixar de passar ao conhecimento dos leitores que me honram em acompanhar os artigos que, semanalmente, ouso oferecer neste canto de página.
Em 1910, a serviço da empresa da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, o grande cientista brasileiro, Oswaldo Cruz, esteve de passagem por Manaus a caminho de Porto Velho, tendo aqui chegado pelas cinco horas da manhã do dia 8 de julho, e largado os cabos de uma confortável lancha da empresa por volta das 20 horas, na companhia de vários outros cientistas. Um dos seus companheiros de excursão científica, médico de formação, logo no dia 13 escreveu ao Rio de Janeiro contando as novidades. E é uma parte dessas novidades que está transcrita em jornais de Manaus e de Belém e que apanhei em notas em um dos muitos cadernos de pesquisa que mantenho desde há muito, quando o tempo era mais folgado e os anos de vida mais verdes, muito embora não fossem mais juvenis.
A descrição que faz da cidade de Manaus, conforme a impressão que teve após uma breve circulada de dia inteiro, é o que trago ao leitor, repetindo palavra a palavra o que ele disse a um amigo em missiva particular que se tornou pública: “percorri toda a cidade que não é muito grande, porém é bem situada e bastante confortável, com viação e iluminação elétrica muito boas. Tem inúmero e colossal movimento comercial, uma verdadeira miniatura de Nova York. Só se ouve aí falar em seringa, dinheiro e política”.
Digo eu, agora, que ele conseguiu captar o clima geral da cidade, ao que sabemos de outros autores, e o fez com boa precisão, mas adianto que a descrição continuada que segue adiante, ainda que possa incomodar a alguns manauenses, tem as cores mais fortes, porém é de igual modo verdadeira, capaz de demonstrar com clareza e objetividade, o grau de devaneio em que vivia boa parte da população embriagada e cega pela borracha. Escreveu ele: “Tudo é caríssimo e tanto se ganha como se perde. É uma vertigem, uma alucinação que entontece a quem, como eu, está habituado a vida pacífica e patriarcal de Minas. Narram-se coisas fabulosas a respeito de grandes lucros e grandes prejuízos, contam-se loucuras praticadas pela febre do dinheiro, moléstia comumíssimas nos aventureiros da borracha, irmãos gêmeos dos antigos descobridores de oiro da minha terra. Foi para mim um alívio quando o nosso navio levantou ferro e daí a pouco nos achávamos longe daquele burburinho metálico e maldizente”.
A natureza exuberante o encantou, como se tornara comum e ainda se repete com os viajantes que aqui aportam. O pôr do sol do rio Madeira tal como ele descreve, era sem igual, mas o que se vê dessa descrição particular coincide com tudo que se fala e escreve a respeito do período áureo da exportação da borracha no qual a cidade tinha vida agitada, frenética, cara, de esbanjamentos, com grandes lucros e enormes prejuízos para alguns poucos, mas experimentava um desenvolvimento urbano sem igual e escondia a parte mais pobre da população sobre a qual poucos falam.
Pouco ou quase nada das coisas boas daqueles anos nos chegou ao presente, e nem a zona franca nos propiciou nada parecido, ainda que assegure a nossa sobrevivência em plena selva.
Por: Robério Braga
Membro da Academia Amazonense de Letras (AAL), advogado e ex-secretário de Cultura do Amazonas
Siga nossas redes sociais:
Instagram: @academiadeletras.am
Facebook: academiadeletras.am
Youtube: @academiaamazonensedeletras1981
Tiktok: @academiadeletras.am